domingo, 20 de junho de 2010

Uma discussão sobre a violência.

"É um desafio. Relatar a violência a partir dos próprios personagens e por eles mesmos. Mostrar a dor, o sentimento de vingança, a resignação, o perdão.

Falar do sentimento humano, da emoção. Colocar a vítima e seu algoz cara a cara num momento de catarse, sofrimento e alívio. Propiciar a sua "hora da verdade". Descobri, nesse tempo todo, pessoas machucadas em meio à saudade e feridas na alma. E descobri também pessoas atormentadas pelo remorso, convertidas pela religião. Visitei, como nunca, as penitenciárias, garimpando almas condenadas e arrependidas, almas condenadas e bandidas.

Não foi um trabalho isolado. A partir das pastorais carcerárias da CNBB, grupos evangélicos e voluntários anônimos, tive acesso a histórias dessa violência de todo dia. Histórias com rosto, nome e endereço. Histórias de pessoas dispostas a descobrir o porquê do roubo,do tiro, do assassinato. Histórias de quem quer falar porque roubou, agrediu e matou.

Normalmente, tenho uma das partes como ponto de partida. Acertar com o outro lado, para que fique frente a frente é uma outra questão. Algumas vezes, a receptividade é imediata. Era a oportunidade esperada por meses ou anos de ter uma explicação, olhar no olho, sentir o arrepedimento do agressor e perdoar, às vezes. Quanto ao algoz, a chance de falar do seu remorso, do seu momento de loucura, ou de sua frieza assassina. Em ambos os casos, sem dúvida, uma grande sensação de alívio, de se falar tudo, tentando explicar o que nâo será explicado, ou se calar, deixando que a emoção fale pelos dois.

Um momento de acarear pessoas com culpas, sofrimentos, resignação... Pessoas em busca de paz, querendo recuperar o fio da meada da sua própria vida. Como o empresário Massa Ota, que teve o filho seqüestrado e assassinado pelos policiais que faziam a sua segurança. Ele perdoou "em nome do filho". Hoje, o empresário faz palestras em escolas, pregando a não- violência. Ou o comerciante da Baixada Fluminense que preferiu "caçar" o assassino do seu irmão durante um ano e entregá-lo à polícia. "Eu tive todas as chances de matá-lo. Mas ia me tornar um assassino como ele. Se depender de mim, ele nunca mais sai da cadeia". Ele não perdoou.

A matéria que vocês viram nesse domingo (e que vocês podem rever aqui no site), foi a primeira da série a ser produzida. Encontros de mediação entre vítimas e criminosos já existiam nos Estados Unidos, promovidos por governos de alguns estados e organizações não-governamentais. Daí surgiu a idéia de produzir um programa de TV que registrasse esses encontros, o que foi sucesso por lá. Resolvemos fazer um quadro nos mesmos moldes.

A primeira pessoa que procurei foi Vera Alves, da Pastoral Penal da CNBB, seção Rio de Janeiro. Ela lidera um grupo de voluntários que visita as penitenciárias levando palavras de conforto. Ela só não conseguiu conversar com o assassino de seu filho, que até hoje está foragido. Ao comentar com ela sobre a proposta do quadro, lembrou logo de um caso. Seu Alípio, um motorista de táxi, a procurava uma vez por semana. Ele queria encontrar os rapazes que quase o mataram e o deixaram com a metade do rosto afundada. E com a vida arruinada. Seu Alípio queria saber o porquê de tanta crueldade e perdoá-los. Conseguimos promover o encontro, e para disfarçar o rosto deformado, o motorista usou um boné. Ainda assim, teve gente que achou a imagem forte demais. Aqui mesmo na redação. É um bom sinal, a violência ainda choca. Mas a imagem forte, na minha opinião, é o momento em que o criminoso, com as mãos algemadas, envolve seu Alípio num abraço emocionante. É difícil perdoar. No fundo, são duas vítimas. São duas pessoas que sofreram a dor da perda e do arrependimento. Pessoas que tiveram a coragem de se despir do todo o ódio. Perdoando ou não.

Tim Lopes
Produtor e repórter do quadro "Hora da Verdade"

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