domingo, 20 de junho de 2010

Tim Lopes é enterrado ao som de Canção da América

Restos mortais do repórter Tim Lopes, da Rede Globo, foram enterrados, dia 07 de julho de 2002 no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na região oeste do Rio. Cerca de 150 pessoas, entre parentes, amigos e colegas de trabalho despediram-se do jornalista ao som da música Canção da América, de Milton Nascimento, interpretada pelo cantor Ângelo Lourenço, de 15 anos na época, revelado por Lopes numa de suas reportagens.
O jornalista foi preso, julgado, assassinado e teve o corpo queimado por traficantes da quadrilha de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, em 2 de junho de 2002. Tim Lopes foi capturado na Favela Vila do Cruzeiro, no Complexo do Alemão, quando fazia uma investigação sobre um baile funk em que haveria exploração sexual de menores e consumo de drogas. O exame de DNA em 43 fragmentos de ossos encontrados em um cemitério clandestino no Morro da Grota, local em que o jornalista foi executado, revelou que uma costela pertencia ao repórter da Rede Globo. O resultado foi divulgado na sexta-feira. "Assim como da costela Deus fez surgir a humanidade, que esse símbolo aqui presente possa fazer surgir o novo na segurança pública do Rio de Janeiro. Cristo te constituiu e na eternidade te acolhe", afirmou o frei Davi Raimundo dos Santos, amigo do repórter. O cunhado de Tim Lopes, André Martins disse que a família se sentiu aliviada com a identificação. "Ficávamos sempre na incerteza, achando que o vulto na esquina poderia ser o Tim. A certeza da prova técnica nos tranqüiliza", afirmou. A mulher do jornalista, Alessandra Wagner, o filho dele, Bruno, e a mãe, Maria do Carmo, não fizeram comentários. Além de amigos, estiveram no enterro pessoas entrevistadas por Tim Lopes. Um deles foi o empresário paulista Masataka Ota, que teve o filho Ives seqüestrado e morto em São Paulo, em 1997. Ota participou do quadro do Fantástico Frente a frente, em que parentes de vítimas da violência encontravam-se com os criminosos. "Tim Lopes me ensinou que perdoar é o melhor caminho. Quis trazer um pouco de alívio para a família dele também", disse. Ota entregou um livro sobre a vida de seu filho à mãe do jornalista. VELÓRIO - Tim Lopes foi velado até as 15h na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Centenas de pessoas passaram pelo salão nobre para se despedir do jornalista. O prefeito Cesar Maia foi a primeira autoridade a chegar. "A maior demonstração de existência de poder paralelo foi o fato de o Tim ter sido julgado", disse o prefeito, que defendeu o aumento de policiamento nas ruas. O caixão deixou a Alerj às 15h. Todo o trajeto de 40 quilômetros até o cemitério Jardim da Saudade estava fortemente policiado. Policiais militares ocuparam o acostamento da Avenida Brasil e também as passarelas. GOVERNADORA - A governadora do RJ, Benedita da Silva, o secretário de Segurança, Roberto Aguiar, o chefe da Polícia Civil, Zaqueu Teixeira, e o comandante da Polícia Militar, Francisco Braz, estiveram no cemitério. Eles não falaram com a imprensa. O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Nacif Elias, tem reunião hoje com a governadora. Ele disse que vai cobrar empenho na prisão de Elias Maluco e outros três traficantes suspeitos do crime, que estão soltos. Quatro foram presos. "Os ideais do Tim não serão sepultados com ele. Nós jornalistas temos de nos comprometer a levar os ideais dele avante, para transformar o Rio numa ilha de paz e amor. Que Deus nos abençoe", disse Nacif. (AE).


Desde a morte de Tim Lopes, inúmeros protestos e caminhadas contra à violência foram realizada no Brasil, usando o nome do jornalismo como sinônimo desta luta


Concurso Tim Lopes de Investigação Jornalística

O Concurso Tim Lopes de Investigação Jornalística deste ano teve como tema: "Imprensa e sociedade aliadas no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes". O maior diferencial do Concurso Tim Lopes é que ele não premia reportagens já veiculadas e sim projetos de reportagem.

Podem participar repórteres, editores e chefes de reportagem de diferentes tipos de veículos (impresso, rádio, televisão, web e veículos comunitários ou alternativos), além de estudantes e professores de cursos de comunicação.

Para participar, basta preencher o formulário de inscrição que está disponível no site do concurso. As melhores propostas de pauta sobre o problema da violência sexual contra crianças e adolescentes recebem um apoio técnico e financeiro para sua realização (as bolsas variam entre R$ 10,5 mil a R$ 16 mil). Ao final, os participantes recebem também um prêmio de R$ 3 mil.

O Concurso é uma iniciativa da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), da Childhood Brasil (Instituto WCF) e da Save The Children Suécia e conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O projeto é uma homenagem ao jornalista Tim Lopes, que foi assassinado por traficantes de drogas enquanto investigava casos de exploração sexual de adolescentes.



Livro Concurso Tim Lopes

O livro Concurso Tim Lopes – Um estudo de caso sobre a atuação da imprensa no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes mostra a trajetória desta iniciativa em suas quatro primeiras edições. Para além disso, a publicação resgata os caminhos das reportagens realizadas no âmbito do projeto e permite conhecer de perto o processo de construção de um noticiário de forte relevância social.



Ao longo do livro, os jornalistas vencedores do concurso relatam os dilemas éticos, os riscos e as adversidades que tiveram de superar durante a elaboração de suas reportagens. Apontam também para estratégias e técnicas que podem ser adotadas por profissionais que desejam aprimorar a cobertura da violência sexual em seus mais diferentes aspectos: o tráfico de crianças, a exploração sexual nas rodovias, o abuso sexual, a pornografia infantil, entre outros.

STJ nega pedido de assassino de Tim Lopes para visitar a família

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso a Claudio Orlando do Nascimento (Ratinho), condenado por participação no assassinato do jornalista Tim Lopes, para visitar seus familiares. Cláudio já foi beneficiado com progressão ao regime semiaberto.

Tim Lopes foi morto em junho de 2002, quando fazia uma reportagem sobre exploração sexual infantil na favela da Grota, no conjunto de favelas do Alemão, no subúrbio do Rio. Condenado a 40 anos e seis meses de prisão, Claudio Orlando do Nascimento foi beneficiado pelo regime semiaberto em agosto de 2008, após cumprir um sexto da pena.

O pedido para visitar familiares já havia sido negado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), com base em parecer do Ministério Público estadual. Segundo a Justiça fluminense, a concessão da visita periódica importará no retorno prematuro de um interno perigoso ao convívio da sociedade livre, sem que haja a menor garantia de que retornará ao cumprimento da pena.A defesa recorreu ao STJ, alegando coação ilegal por parte do TJRJ.

Segundo o relator, ministro Celso Limongi, a decisão que indeferiu o pedido está devidamente fundamentada e não caracteriza qualquer coação ilegal, já que considerou a sua incompatibilidade com os objetivos da pena. Para ele, mesmo sendo um benefício inerente ao regime prisional semiaberto, a autorização de saída temporária é prematura.

Condenado pela morte de Tim Lopes se entrega à polícia

Ângelo Ferreira da Silva estava foragido desde o dia 7 de fevereiro.
Outro condenado, Elizeu Felício de Souza, o Zeu, permanece foragido.Um dos dois condenados pela morte do jornalista Tim Lopes, foragido desde 7 de fevereiro de 2010, se entregou à Polícia Militar na manhã desta quarta-feira (26 de maio). De acordo com o comandante do 27º BPM (santa Cruz), tenente-coronel Danilo Nascimento, o suspeito Ângelo Ferreira da Silva, mais conhecido como Primo, pediu que um parente fosse ao batalhão para levar a polícia até o seu esconderijo.

Ângelo será levado para 36ª DP (Santa Cruz). O outro condenado, Elizeu Felício de Souza, o Zeu, ainda está foragido.

Condenado a 15 anos de cadeia, Ângelo deixou a penitenciária em Bangu, na Zona Oeste do Rio, no dia 7 de fevereiro, supostamente para trabalhar de dia e voltar de noite para dormir, mas não voltou mais.

Em julho de 2007, Elizeu já tinha aproveitado a progressão de regime para fugir do presídio.
Preso desde junho de 2002, Elizeu foi condenado a passar 23 anos e seis meses atrás das grades. Mas o criminoso foi beneficiado pela progressão de regime em março de 2006, depois de cumprir apenas um sexto da pena.

Outros dois condenados pelo assassinato do jornalista Tim Lopes podem seguir o mesmo caminho de Ângelo e Elizeu. Fernando Sátiro e Cláudio Orlando do Nascimento aguardam a autorização da Justiça para serem soltos.

Fernando Sátiro, o Frei, condenado a 26 anos de cadeia, e Claudio Orlando, o Ratinho, condenado a 24 anos, já têm o direito de cumprir a pena em regime semiaberto.

Três presos permanecem em regime fechado: Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, Reinaldo Amaral de Jesus, e Claudino dos Santos Coelho.



A Semente que Tim Lopes plantou

O termo jornalismo investigativo causa um certo incômodo. Aprendemos que todo jornalismo tem de ser investigativo, ou seja, bem-apurado e crítico.

Mas a combinação, consagrada nos Estados Unidos e em vários países de língua espanhola e que começa a ser adotada nas escolas de Comunicação brasileiras, ajuda a distinguir as reportagens de mais fôlego, que exigem maiores investimentos na apuração, do noticiário rotineiro, que também requer apuro técnico, mas que é mais simples.

A investigação bem-feita pede, quase sempre, tempo e paciência para pesquisas, entrevistas em on e em off com fontes diversificadas e com especialistas, observação direta, checagem e rechecagem. E exige, sobretudo, uma busca obsessiva de documentação e provas.

Embora possa e deva ser aplicada em todos os assuntos que interessam aos leitores, a reportagem investigativa vem mostrando maior força, utilidade e repercussão quando se dedica à fiscalização do uso dos recursos públicos e questiona a eficácia das políticas de governo.

Nós temos praticado este jornalismo? Acho que sim, mas não na freqüência que nossas mazelas exigem e nem com a qualidade que a sociedade e nós mesmos nos cobramos.

Uma análise do jornalismo que produzimos a partir do início dos anos 80, quando se inicia a transição para a democracia, vai nos mostrar que hoje apuramos melhor, somos mais precisos, e que ampliamos nosso campo de fiscalização, estendendo a cobertura crítica a áreas antes reservadas apenas ao entretenimento, como o futebol e a cultura.

Mas ainda continuamos reféns dos relatórios malfeitos e de informações manipuladas produzidos nas repartições policiais, nos ministérios públicos e nos gabinetes políticos.

Os jornais têm dificuldades para manter os investimentos em equipes experientes e que precisam de tempo e recursos para produzir trabalhos de qualidade e diferenciados. Ao contrário dos Estados Unidos, não conseguimos ainda criar uma produção independente que atenda tanto ao mercado tradicional (a grande imprensa, emissoras de TV e editoras de revistas) como ajude a criar um mercado novo e alternativo (com a publicação de livros e na internet, por exemplo).

Há um outro problema sério no Brasil: a dificuldade de acesso a informações públicas. Os dados são guardados pelas autoridades como se fossem de uso privado e são distorcidos com muita facilidade. Embora a Constituição de 1988 garanta o direito de acesso, ainda predomina em todas as instâncias de poderes da República o conceito autoritário do uso reservado das informações públicas.

Rede congrega mais de 200

A formação de uma associação de jornalistas investigativos nasce da constatação destes problemas. Mas nasce, principalmente, da constatação das nossas carências profissionais.

Temos de melhorar a qualidade do nosso trabalho jornalístico, independentemente de todos os obstáculos políticos, culturais, econômicos e empresariais que são colocados diante de nós.

Por isso, imaginamos uma entidade formada e mantida por jornalistas que fazem, querem fazer ou apóiam o jornalismo sério, documentado, revelador. Um entidade voltada para a troca de informações e experiências, com ênfase grande no trabalho de formação e reciclagem profissional. Que ajude a difundir e a utilizar os recursos e ferramentas que as novas tecnologias acrescentaram. Que contribua para o nosso crescimento profissional e intelectual. E que ajude a integrar jornalistas que hoje trabalham solitários e ameaçados longe das capitais ou fora da grande imprensa.

Esta entidade está lançada, depois de dois seminários organizados no Rio (31/8) e em São Paulo (7/12) pelo Knight Center for Journalism in the Americas com a ajuda do Sindicato dos Jornalistas do Rio e da Escola de Comunicação e Artes da USP, e é fácil de ser contatada em .

Ela nasce da troca de idéias de uma rede que começou com 45 jornalistas e já congrega mais de 200. Nasce com o apoio dos departamentos de jornalismo de várias universidades, como USP, UFSC e UFBA. E nasce da semente que Tim Lopes plantou em cada um de nós que com ele convivemos: o compromisso com um jornalismo sem preconceitos, corajoso, bem-feito e que pode e deve ser aperfeiçoado.

Fonte: Texto de Marcelo Beraba para o Observatório da Imprensa em dezembro de 2002

O estado rendido ao terror

É possível que o cidadão cotidianamente sitiado pela insegurança se indague por que a imprensa reage tão fortemente indignada frente ao desaparecimento de um jornalista e não faz o mesmo ante o sumiço de tantos cujas trajetórias são interrompidas todos os dias quando tentam ir ao trabalho ou voltar para casa.

Primeiro, a razão mais humana e imediata: pela proximidade. Quem algum dia trabalhou com Tim Lopes - dividimos a mesma redação nos anos 80, no Jornal do Brasil - sabe que seu foco profissional sempre foi aquela gente que, anônima, já fez do risco de vida companhia permanente.

Corajoso de dar arrepios, Tim nunca viu razões para render temor ou reverência ao crime. Numa época em que era moda entre a elite mais intelectualizada (jornalistas inclusive) glamourizar do traficante ao banqueiro do bicho - hoje categorias sinômimas -, Tim Lopes jamais foi dado a esses equívocos. Dono, portanto, da noção perfeita de que à marginalidade não se pode reservar festejos sob pena de incentivá-la e, ato contínuo, banalizar seus malfeitos.

Segunda razão que confere especificidade e gravidade mais agudas ao desaparecimento de Tim Lopes em pleno exercício da busca de informações: o avanço do crime sobre mais um - dos últimos que restavam - instrumentos de defesa da sociedade, a imprensa.

De um lado, o choque pela constatação de que o narcotráfico se estratifica como um Estado não apenas paralelo, mas autoritário e cerceador da liberdade de expressão. De outro, o baque de enxergar com todas as cores e nuances do que são capazes os novos governantes de fato.

Na ditadura havia porões de tortura. Hoje há grutas de incineração no alto de morros cínica e cruelmente chamadas "microondas". E a denominação é repetida na televisão por policiais, como se a conexão entre o instrumento e a atividade fosse tão perfeita que, por si só, justificasse a naturalidade de tratamento.

Já houve dia em que traficantes convocavam a imprensa para entrevistas nos morros e, no lugar de chamar a polícia, lá íamos nós - qual seres instalados num patamar acima da Humanidade e seus valores - ouvir, respeitosos, o que tinham a nos dizer os encapuzados e fotografá-los de metralhadora em punho, cuidadosamente protegendo-lhes as identidades.

É terrível a cena? Pois era comum e bem aceita naqueles tempos em que vivíamos a ilusão de que o mundo do crime era um mundo à parte, a ser "reportado" aos cá de fora.

Pois muito bem, esse universo nos explode tardiamente à cara, nos desaba às cabeças, nos soterra as almas, nos comprime as veias, nos une numa desesperada esperança de que Tim ainda possa estar metido em mais uma das suas e que reapareça cheio de picardia no sorriso de dentes pequenos, trazendo dentro da câmera da TV Globo mais um prêmio por excelência em jornalismo.

Mas se não for nada disso, ou ainda se assim for e Deus nos der mais uma chance, não é possível que mais um dia sequer se passe sem que o Brasil perceba que está no cativeiro. Somos todos reféns de uma violência inexplicável, desmedida, descabida, sem limites. A ponto de levar o secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Aguiar, ao choro quase convulsivo perante as câmeras.

O secretário emocionou-se ao falar de Tim, com quem deve ter convivido depois de transferido de Brasília para o Rio, ou até antes disso. Mas ali, naquela cena do Jornal Nacional de quinta-feira, Roberto Aguiar não chorava apenas pelo jornalista desaparecido em combate, mas pela incapacidade do Estado de se contrapor ao inimigo como combatente à altura.

Era a imagem pronta e acabada do terror e da rendição. Igualzinho a qualquer um de nós. Tão impotente quanto. Ou talvez até mais porque, policial e experiente, com toda certeza tem uma noção mais aproximada da escuridão do buraco cujo tamanho ainda estamos por sentir as dimensões.

Grafiteiros homenageiam Tim Lopes

O Nome de Tim Lopes foi pintado no mural por artistas de várias favelas

O jornalista Tim Lopes foi lembrado pelos grafiteiros do Rio, que desenharam o nome do repórter da Rede Globo no painel pintado no muro ao lado do Espaço Criança Esperança, no Morro do Cantagalo, em Copacabana. O tema do mural, pintado por mais de 30 artistas de favelas de todos os cantos da cidade, é a liberdade de expressão. Ao todo, a pintura tem aproximadamente 60m. Esta foi a primeira homenagem a Tim, assassinado por traficantes que comandam a Vila Cruzeiro.

Um dos coordenadores da manifestação artística, Def Yuri, explicou que o mural é uma homenagem à população sofrida do Rio de Janeiro. “É dedicado a todas as vítimas de violência e descaso”. Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio, um dos organizadores do protesto, afirmou que os grafiteiros já queriam pintar o muro e que a morte do jornalista foi o estímulo que faltava. A iniciativa também teve apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio.

Foi o grafiteiro e dançarino André Alves de Souza, 27 anos, que pintou o nome de Tim no mural, em azul claro e escuro. “Foi uma injustiça. Não queria que isso acontecesse com nenhum jornalista. Quero que o caso Tim fique na memória das pessoas”, disse André. O grafiteiro explicou que desenhou um sol próximo ao nome de Tim, no grafismo intitulado Iluminação Infinita , para que o astro ilumine o repórter onde ele estiver.

Fernandes afirma ainda que o painel busca mostrar que a cultura hip hop e o grafite estão dissociados da violência. “Vamos mostrar que a arte que sai das favelas é pela paz”, garantiu. Segundo o diretor da ONG, o Cantagalo foi escolhido porque serve de exemplo da convivência pacífica entre polícia e as comunidades das favelas.

O Cantagalo é a única favela do Rio a contar com um Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE). De acordo com o major Antônio Carlos Carballo, um dos policias que implantou o projeto na comunidade, os GPAEs chegarão a outras favelas ainda este ano. Em agosto, o projeto começará na Tijuca, nos morros da Formiga e Casa Branca.

Jornalista Tim Lopes é homenageado com nome de praça e rua

A Rua
Uma rua na Barra da Tijuca recebeu o nome do jornalista Tim Lopes, neste dia 2 de junho de 2007, em que completou cinco anos de sua morte. Tim Lopes foi assassinado quando fazia uma reportagem na Vila Cruzeiro para denunciar a exploração sexual de menores em bailes promovidos por traficantes. Sete bandidos foram presos e condenados, entre eles, Elias Maluco, que deu a ordem para o crime.

A rua tem 355 metros e fica ao lado de um centro empresarial, próximo ao Barra Shopping, ao Fórum da Barra e à Universidade Estácio de Sá.Amigos, colegas de trabalho, representantes de organizações não-governamentais e parentes participam de um ato pela memória de Tim Lopes.- Ao assinar esse decreto, dando o nome de Tim Lopes à avenida, o prefeito Cesar Maia quis que a memória do Tim Lopes ficasse incorporada para sempre nessa cidade. Quis com isso que todos nós lembrássemos sempre a coragem do Tim Lopes, que pagou com a própria vida e arriscou sua vida para denunciar uma situação que, para nós todos, cariocas, é inaceitável - disse a secretária municipal de Comunicação, Ágata Messina.

A Praça
O vereador Paulo Francisco Mendes, ex-prefeito de Sorocaba (SP), apresentou projeto de Lei (n. 154/2002), que dispõe sobre a denominação do logradouro localizado no Jardim Santa Marina (final da avenida Ataliba Pontes) de Praça Tim Lopes. A Lei foi promulgada pelo prefeito Renato Fauvel Amary.O vereador Paulo Francisco justifica a homenagem: " pelo seu profissionalismo e pela coragem, Tim Lopes merece a homenagem sincera das comunidades que lutam tenazmente para combater quadrilhas de delinqüentes que infelicitam nosso País".
No final de 2002 a praça foi inaugurada a praça com a placa indicativa abaixo do nome TIM LOPES a expressão: "jornalista Emérito 1951-2002".

Os planos de Tim Lopes



Cansado, ele planejava fazer reportagens mais leves


Tim trabalhava há seis anos na TV Globo e dizia se espelhar no repórter Octávio Ribeiro, o Pena Branca, que morreu em 1986, aos 54 anos. Tim o considerava um mestre. No momento, Tim escrevia, em parceria com Alexandre Medeiros, o livro “Eu sou o samba”, baseado numa série de entrevistas com sambistas cariocas consagrados. Os dois eram vizinhos em Copacabana.


Assim que entrou de férias, após ganhar seu primeiro prêmio Esso com a reportagem “Feirão do Pó”, da Globo — o primeiro prêmio Esso concedido na categoria TV — em que denunciava a venda de drogas em vários pontos do Rio, Tim Lopes tinha uma preocupação: descansar em algum lugar distante da agitação e da violência do Rio. Procurou amigos e pediu indicação de pousadas no interior.
Quanto mais no meio do mato, melhor - disse Tim Lopes

Com os amigos, ele já mostrava cansaço. Chegou a comentar que estava “enxugando gelo”, porque o tráfico vinha tomando proporções alarmantes na cidade, apesar das denúncias que a imprensa, inclusive ele, vinha fazendo. Lamentava a falta de ação das autoridades e reclamava a ausência de medidas sociais e de programas educacionais que ajudassem a solucionar o problema das drogas. Demonstrava uma preocupação muito grande com o envolvimento das crianças no tráfico. Mas em nenhum momento mencionou medo dos traficantes por causa do seu trabalho, embora tenha revelado a intenção de preparar reportagens mais leves, sobre meio ambiente. Não conseguiu.

A censura do crime organizado

Em 8 de janeiro, o Jornal do Brasil perguntava: ''Como garantir a liberdade do exercício do jornalismo investigativo num meio onde a exposição dos repórteres é muito grande, a existência do aparato técnico, por menor que seja, é necessária, e que ainda por cima não dispõe de uma cartilha de procedimentos formatada pela experiência desse tipo de jornalismo?''

A pergunta vinha a respeito das ameaças que a repórter Cristina Guimarães estaria sofrendo depois que sua série sobre o tráfico de drogas nos morros cariocas - feita em parceria com o repórter Tim Lopes - fora ao ar na televisão. O fato era agravado pelas características do agressor: ''Quem a ameaça são bandidos urbanos comuns. Tornar-se vulnerável a isso é uma gravíssima ameaça à liberdade de imprensa''.

O telejornalismo investigativo pressupõe a existência de um aparato mínimo que o distingue do jornalismo de opinião. É esse tipo de investigação que mudou, de pouco tempo para cá, a face do telejornalismo brasileiro. Ao denunciar - e provar pela imagem e pelo som - atos criminosos a televisão brasileira deu um salto qualitativo. Escapou do oficialismo a que esteve confinada durante quase 40 anos, minimizou relações promiscuas com fontes duvidosas e passou a servir melhor à sociedade.

Repórteres como Tim Lopes acabaram sendo os mais eficazes instrumentos de defesa de uma sociedade carente de qualquer outro tipo de proteção. Jornalistas tornaram-se mais confiáveis que a polícia ou a Justiça. Talvez não devesse ser assim, mas assim o é. Em meio à corrupção deslavada entre os poderosos e a uma autêntica guerra social, alguns jornalistas foram forçados a assumir o papel de heróis que usam as armas legitimas de que dispõem - e que algumas emissoras de televisão, conscientemente, os facilitam. A verdade é que um e outro estão prestando serviços insubstituíveis à cidadania.

O caso da repórter Cristina, alertava o JB, mostra a urgência de se encontrar respostas ao desafio de poder enfrentar os inimigos da população pela mera exposição de seus atos. A suspeita de que tenha acontecido um crime é um golpe contra o dever que a imprensa tem de manter o público informado.

Acossada, a imprensa combativa pode tender a recuar. Não bastasse a censura prévia do judiciário a que recentemente se tornou sujeita, ela passa a sofrer também a censura prévia da bandidagem.

Transformado em terra de ninguém, o Rio vê enfraquecida sua última instância de defesa contra os criminosos. E o telejornalismo combativo corre o sério risco de ceder lugar ao antigo servilismo aos poderosos - talvez ao crime organizado, que é de fato quem detém o poder.

Carta Psicografada

“Releve os erros alheios”, diz carta entregue à mãe de Tim Lopes

Em outubro de 2008, uma médium de um centro espírita da Baixada Fluminense psicografou uma mensagem atribuída a Tim Lopes. Essa foi uma das quatro cartas divulgadas pela família do jornalista, executado brutalmente no dia 2 de junho de 2002 na Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio. Abaixo, a carta na íntegra.


“Acalma o teu coração, mamãe. Não chores mais. Vês, tudo tem o seu momento. O meu chegou. E dele não pude fugir. Sei que sofre a dor da saudade. Mas a tua dor não me deixa caminhar. Como Maria, a mãe de Jesus, tem o nome. E como o destino dele, foi o amor ao seu filho, como todas as mães o fazem. Releve os erros alheios e não deixes mágoas no seu coração, que já está tão cansado. De onde me encontro, tenho muitos amigos, que me ajudam a crescer. Assim, por intermédio desse irmão, um amigo, posso hoje conversar com você. Mãe querida, mãe Maria. Como a mãe de Jesus. Sei que sempre me abençoa. Os irmãos sempre te ajudarão. Fique em paz e agradeça a Jesus por tanto, tanto nos amar. Fique em paz que o meu caminho tem sempre um irmão amigo a me ajudar. Teu filho amado”.
Uma das cartas recebidas pela família de Tim Lopes foi psicografada em agosto de 2009 pela médium Patrícia, num centro espírita da Baixada Fluminense. A mensagem foi destinada à irmã do jornalista, Cléa Lopes.
“Cara irmã. Nada como um dia após o outro. Sempre tenha fé. Nunca estará só. Sempre estarei com você. Hoje e sempre. Hoje estou ao seu lado, vindo para essa casa, grande e muito feliz. Irmã, nessa casa encontrei a luz e a paz. Estava precisando. E tenho certeza também que você encontrou. Nunca se esqueça. Tenha fé. Estarei sempre com você. Um abraço, seu irmão”.
Enquanto lia a carta, Cléa se emocionou.
- Nada como um dia após o outro… Ele sempre dizia isso – disse.
Tim Lopes: cartas psicografadas confortam a família, diz espírita
Vice-presidente da Fundação Cristã Espírita Cultural Paulo de Tarso (Funtarso), Gerson Monteiro, colunista do Extra e do Religião e Fé, disse que as cartas psicografadas por médiuns – como a recebida pela família de Tim Lopes - podem ser reconhecidas pela linguagem do autor, para evitar dúvidas dos parentes.
— Nós reconhecemos o autor espiritual pela linguagem. Os espíritos sérios têm uma linguagem e um conteúdo moral elevado. Quando o centro espírita possui proteção espiritual e os participantes usam da razão e do bom senso, as mensagens serão legítimas — explica Gerson.
Para o espírita, as famílias encontram conforto nas mensagens psicografadas, que servem como forma de ajudá-las a aceitar a morte do parente.
Ele sentiu na pele essa sensação há cerca de 40 anos. Depois de perder uma filha, que morreu em decorrência do câncer com apenas 2 anos e 4 meses, o vice-presidente da Funtarso procurou um centro espírita e obteve notícias da pequena.
— Fiquei muito emocionado, porque senti a vibração dela — lembra-se Gerson.
A família de Tim Lopes, executado enquanto fazia uma reportagem sobre a exploração sexual de menores num baile funk na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio, revelou a existência de quatro cartas psicografadas que foram atribuídas ao jornalista.
Em uma das mensagens, transcritas por médiuns de um centro espírita da Baixada Fluminense, Tim Lopes tenta consolar a mãe e diz que está ao lado dos familiares.
“Acalma o teu coração. Não chores mais. Tudo tem seu momento. O meu chegou. E dele não pude fugir. Sei que sofre a dor da saudade. Mas a tua dor não me deixa caminhar “, diz uma carta, psicografada em outubro de 2008.

As cartas foram entregues à auxiliar de enfermagem Cléa Eunice Lopes do Nascimento, de 53 anos, uma das irmãs do jornalista, que costuma frequentar o centro espírita duas vezes por mês. Ela diz, inclusive, que já viu o espírito do irmão perto dos médiuns da casa.
— Normalmente, eu o vejo na abertura dos trabalhos, quando todos os médiuns estão reunidos. É que eu tenho mediunidade — disse.

A Condenação

Entre os que participaram da morte de Tim Lopes, foram julgados e condenados em júri popular: Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, condenado a 28 anos e seis meses de reclusão; Cláudio Orlando do Nascimento, o Ratinho; Elizeu Felício de Souza, o Zeu; Reinaldo Amaral de Jesus, o Cadê; Fernando Sátyro da Silva, o Frei; e Claudino dos Santos Coelho, o Xuxa, todos condenados a 23 anos e seis meses de prisão. Ângelo Ferreira da Silva, o Primo, foi condenado à 15 anos por ter tido uma participação menor no crime e ter colaborado com a polícia, mas, ao ser beneficiado com o regime semiaberto, teve direito à visita periódica aos familiares e ficou foragido de 7 de fevereiro a 26 de maio de 2010, quando foi recapturado pela polícia.
Outros partícipes, André da Cruz Barbosa, o André Capeta; Flávio Reginaldo dos Santos, o Buda; e Maurício de Lima Matias, o Boizinho, foram mortos em confronto com a polícia.
O criminoso Zeu, beneficiado mais tarde pela progressão de regime, acabou foragido. Denúncias levaram investigadores a crer que ele foi morto em 2007 pelo traficante Tota, após ter assassinado a própria mulher. Em dezembro de 2008, houve nova decisão judicial no sentido de conceder benefícios judiciais a criminosos envolvidos no caso.



Família

Tim Lopes era casado pela segunda vez com Alessandra Wagner havia dez anos. Ele tinha um filho de 19 anos do primeiro casamento, Bruno. E considerava Diogo, filho do primeiro casamento de Alessandra, como se também fosse seu.

Confira o artigo de Viviane Reis, estudante de jornalismo e autora de Tim Lopes - Pra não dizer que não falei de Tim

"Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"

Geraldo Vandré

Não, Leonardo. Infelizmente não tenho as respostas que você indagou ao Cristo Redentor. E é com muita tristeza que devo confessar um detalhe. O nosso Cristo de pedra é tão vulnerável quanto nós, e não está indiferente aos caos que amendronta os cariocas. Ele também foi rendido pela violência, assim como a população. Está de braços abertos, porque acima de tudo, aceita seus filhos. Sejam eles traficantes ou simples pessoas que não sabem mais o que é cidadania. Está de braços abertos para não levar a mão aos olhos e chorar. Está de braços abertos como se tivesse querendo contagiar cada um com um pouco de esperança.

Mas, é inútil dizer isso ao seu amigo Bruno, filho de Tim Lopes. E também é inútil falar de Tim Lopes, depois de tudo que já disseram. Já colocaram todas as azeitonas na empada e todas as cerejas no sundae. É como falar de namorados depois de Drummond ter escrito "Ter ou não ter namorado?". É como tentar superar as Quatro Estações de Vivaldi. É como regravar alguma canção definitiva. Nada acrescenta. Mas, preciso falar da profissão de Tim.

Não o conhecia antes da sua morte. E isso não é demérito para uma estudante de jornalismo. Os professores nunca falaram dele. Ele não aparecia. Não precisava ter boa dicção para ser apresentador de telejornal. Não precisava se preocupar em passar o pó de arroz para tirar o brilho e estar bem diante das câmeras. O seu terno não precisava ter um corte impecável para ele dar uma notícia, fosse ela boa ou não. Precisava ser ele mesmo, repórter.

Na faculdade não aprendemos a ser repórteres. Ou somos ou não somos. Na universidade simplesmente polimos as características que esse tipo de jornalista deve ter. E Lopes era repórter. Como tantos outros já foram e são. Mas, há um diferencial que poucos têm: sabia da importância do seu papel social.

Era um flâneur, que conhecia muito bem a alma das ruas, como João do Rio. Sabia ouvir o grito silencioso do morro, das vielas e dos becos. Seu coração era um estetoscópio. E era com ele que sentia as necessidades de uma cidade tão exuberante, mas tão carente. Ele vivia sobre uma pedra, em cima de um muro que fazia a divisa entre o asfalto e a favela. O lícito e o ilícito. O moral e o amoral. O justo e o injusto. O poder oficial e o parelo. Mas, alguém de um lado desse terreno, retirou a pedra de Tim, e ele se foi.

Era um Euclides da Cunha, que de peito aberto e como cidadão comum, foi sentir na pele a Guerra de Canudos. Só que aqui, a guerra era outra. Como Cunha, que registou a diferença entre a dureza do sertão e as regalias do litoral, Tim tentava com sua câmera escondida mostrar aos brasileiros o que eles não viam. Por falta de opção, por não quererem ou simplesmente por não terem olhos. Tim e Euclides registraram os conflitos sociais de sua época. Um voltou do conflito, o outro não.

Era quase um Manuel Bandeira, farto do lirismo comedido. Poderíamos parafrasear sua "Poética" e ela cairia redondo aos colequinhas de profissão que trabalham enclausurados numa redação gelada e infestada de ácaros. Ficaria assim: "Estou farto do jornalismo comedido / Do jornalismo bem comportado / Do jornalismo funcionário público com livro de ponto expediente, protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor / Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo / Não quero mais saber do jornalismo que não é libertação".

Não, o Tim não é o meu mais novo ídolo. Nem mais um herói que morreu. Nem um modelo a ser seguido. Talvez se torne um mito de resistência à censura velada que de vez em quando dá sinal de vida. Como deu. Ele é a caracterização de coragem que todos nós, virgens estudantes de jornalismo teremos que herdar. Isso se quisermos mudar, com passos de formiga, alguma coisa. É, continuar acreditando como nossos pais, que as mesmas flores de 68 vencerão os canhões...

Filme em homenagem à Tim Lopes



Mais de 500 crianças participaram da gravação da última cena do filme em homenagem ao jornlista Tim Lopes:

O repórter Miro Lopes, esteve em Erechim/RS, no dia 22 de março de 2003, dia de filmagem, quando farpa uma palestrasobre "O poder paralelo e a Imprensa", para estudantes de jornalismo.

ERECHIM / RS - No início do ano de 2003 começava a ser rodado na cidade de Erechim, estado do Rio Grande do Sul, a 360 Km de Porto Alegre, o filme "Sonho de Liberdade", uma produção cinematográfica independente. Captado em película Super-8, produzido por cineastas amadores, o filme procura reproduzir os últimos minutos de vida do jornalista Tim Lopes.
A história se baseia em alguns dos fatos reais que antecederam a morte de Tim, como por exemplo, a perseguição dos traficantes e o momento em que foi levado ao local onde acabou morto. O filme mostra um paralelo da violência no Brasil e o momento em que Tim Lopes era massacrado pelos bandidos.

A equipe esteve gravando a última cena do filme, que teve a participação de 500 criancás pedindo paz.

O irmão do jornalista, Miro Lopes, que reside no Rio de Janeiro, esteve neste dia, para acompanhar a gravação da última cena do filme e se emocionou durante as filmagens.

A equipe de produção manteve contato com Miro desde o início das filmagens, e a carta escrita a Tim pelo filho Bruno achando ainda que o pai estava vivo, e lida no Jornal Nacional dias antes de encontrarem o corpo do jornalista, foi usada no filme.

O filme não tem interesses comerciais, e parte da equipe viajou até o Rio de Janeiro e entregou pessoalmente uma cópia do filme à família de Tim Lopes e outra cópia à direção de jornalismo da Rede Globo, emissora onde o jornalista trabalhou pela última vez. Posteriormente, com a autorização da família, o filme deverá ser projetado ao público gratuitamente.

A equipe foi formada por profissionais de várias áreas, como publicitários, médicos, vendedores, psicólogos entre outros. O filme é dirigido por Osnei de Lima, 28 anos, premiado por duas vezes consecutivas no Festival de Cinema de Gramado ( categoria super ? 8 em 2001 e 2002) e a direção de fotografia é de Beto Hachmann, também premiado . A trilha sonora está sendo produzida por Paulo Casarin, músico erechinense com mais de 40 anos de experiência musical, tendo participado de várias bandas famosas e com várias composições interpretadas por cantores de renome nacional. A equipe de produção e elenco é formada somente por gaúchos, todos de Erechim, sendo que aproximadamente 20 pessoas fazem parte do grupo. A equipe de produtores, diretores e atores, juntamente com algumas pessoas e pequenas empresas locais, que acreditam no trabalho e colaboraram com pequenas quantias, que variam desde R$ 10,00 e no máximo R$ 300,00, estão bancando o custo do filme, que estava avaliada em torno de R$ 12.000,00, mas que está ultrapassando os R$ 25.000,00, devido ao melhor acabamento que será feito na película. O filme será finalizado em Super-8, com banda sonora e posteriormente telecinado e transferido para outra bitola ou em sistema Beta . A duração que estava prevista para menos de 20 minutos, deverá ultrapassar os 40 minutos, devido aos ajustes de produção e à riqueza de informação contida nas pesquisas realizadas na pré-produção e que posta em prática na hora de rodar o filme, causou um grande impacto e uma forte necessidade de mostrar a realidade de um país cheio de violência, mas que por detrás de tudo, insere a necessidade de valorizar pessoas como Tim Lopes, que fazia um papel social muito importante. Todo o grupo é amante da arte do cinema, onde começou fazendo por hobby e que atualmente está tomando um rumo profissional. O filme foi todo rodado na cidade de Erechim/RS e arredores, onde estão sendo usados cenários típicos da região, mas que tiveram um toque carioca para dar genuinidade ao trabalho.

Investigar era sua paixão

Tim Lopes trabalhou nos jornais O Globo, O Dia e Jornal do Brasil e estava na TV Globo desde 1996. Teve uma carreira marcada por reportagens investigativas. Ele gostava de viver na pele o cotidiano das pessoas sobre as quais iria escrever. Sua última grande reportagem foi uma série sobre os maus tratos que pacientes recebiam em clínicas para recuperação de drogados, um trabalho de meses, durante os quais ele se internou em diversos estabelecimentos. Quando trabalhava no jornal O Dia, Tim se passou por operário na construção da Linha Vermelha e, em outra ocasião, fez as vezes de grileiro em Rio das Pedras. Tim começou no jornalismo como contínuo na Bloch Editores. Na TV Globo, trabalhou primeiro como produtor do Fantástico e, depois de seis meses, foi para a Editoria Rio, onde comandou a equipe que fez a série ''Feira das Drogas''.


Epitáfio do Bravo Tim Lopes

As homenagens ao jornalista Tim Lopes, vieram e ainda vêm de todos os lados. Muitos colegas e amigos de profissão compartilharam da dor da família Lopes, como este artigo de Flávio Ramos, onde o amigo pessoal de Tim dá voz aos sentimentos de muitos brasileiros

"Galgou todos os degraus do jornalismo, recebeu prêmios importantes.
Fez da palavra e da imagem sua obra, da verdade sua assinatura.
Trabalhou nas sombras observando e desvendando os mistérios do mundo cão.
Látego dos corruptos e criminosos, ouvidor da sociedade desvalida e faminta.
Amigo brincalhão, sempre presente.
Arquiteto das grandes reportagens.
Investigador tenaz e garimpeiro audaz.
Isento nos fatos, ousado, perspicaz.
O céu ganhou mais um Arcanjo.
O Grande Arquiteto do Universo, um porta-voz.
Quem sabe, assim haverá mais justiça neste país onde papelote de droga é nome de político e à sombra dos omissos o poder paralelo senta-se à mesa com os corrompidos para dividir o saque.

Deixa como órfãos uma nação inteira".


Flavio Pinto Ramos
Professor e Jornalista


Reportagem em homenagem ao jornalista durante o noticiário Jornal Nacional

Uma discussão sobre a violência.

"É um desafio. Relatar a violência a partir dos próprios personagens e por eles mesmos. Mostrar a dor, o sentimento de vingança, a resignação, o perdão.

Falar do sentimento humano, da emoção. Colocar a vítima e seu algoz cara a cara num momento de catarse, sofrimento e alívio. Propiciar a sua "hora da verdade". Descobri, nesse tempo todo, pessoas machucadas em meio à saudade e feridas na alma. E descobri também pessoas atormentadas pelo remorso, convertidas pela religião. Visitei, como nunca, as penitenciárias, garimpando almas condenadas e arrependidas, almas condenadas e bandidas.

Não foi um trabalho isolado. A partir das pastorais carcerárias da CNBB, grupos evangélicos e voluntários anônimos, tive acesso a histórias dessa violência de todo dia. Histórias com rosto, nome e endereço. Histórias de pessoas dispostas a descobrir o porquê do roubo,do tiro, do assassinato. Histórias de quem quer falar porque roubou, agrediu e matou.

Normalmente, tenho uma das partes como ponto de partida. Acertar com o outro lado, para que fique frente a frente é uma outra questão. Algumas vezes, a receptividade é imediata. Era a oportunidade esperada por meses ou anos de ter uma explicação, olhar no olho, sentir o arrepedimento do agressor e perdoar, às vezes. Quanto ao algoz, a chance de falar do seu remorso, do seu momento de loucura, ou de sua frieza assassina. Em ambos os casos, sem dúvida, uma grande sensação de alívio, de se falar tudo, tentando explicar o que nâo será explicado, ou se calar, deixando que a emoção fale pelos dois.

Um momento de acarear pessoas com culpas, sofrimentos, resignação... Pessoas em busca de paz, querendo recuperar o fio da meada da sua própria vida. Como o empresário Massa Ota, que teve o filho seqüestrado e assassinado pelos policiais que faziam a sua segurança. Ele perdoou "em nome do filho". Hoje, o empresário faz palestras em escolas, pregando a não- violência. Ou o comerciante da Baixada Fluminense que preferiu "caçar" o assassino do seu irmão durante um ano e entregá-lo à polícia. "Eu tive todas as chances de matá-lo. Mas ia me tornar um assassino como ele. Se depender de mim, ele nunca mais sai da cadeia". Ele não perdoou.

A matéria que vocês viram nesse domingo (e que vocês podem rever aqui no site), foi a primeira da série a ser produzida. Encontros de mediação entre vítimas e criminosos já existiam nos Estados Unidos, promovidos por governos de alguns estados e organizações não-governamentais. Daí surgiu a idéia de produzir um programa de TV que registrasse esses encontros, o que foi sucesso por lá. Resolvemos fazer um quadro nos mesmos moldes.

A primeira pessoa que procurei foi Vera Alves, da Pastoral Penal da CNBB, seção Rio de Janeiro. Ela lidera um grupo de voluntários que visita as penitenciárias levando palavras de conforto. Ela só não conseguiu conversar com o assassino de seu filho, que até hoje está foragido. Ao comentar com ela sobre a proposta do quadro, lembrou logo de um caso. Seu Alípio, um motorista de táxi, a procurava uma vez por semana. Ele queria encontrar os rapazes que quase o mataram e o deixaram com a metade do rosto afundada. E com a vida arruinada. Seu Alípio queria saber o porquê de tanta crueldade e perdoá-los. Conseguimos promover o encontro, e para disfarçar o rosto deformado, o motorista usou um boné. Ainda assim, teve gente que achou a imagem forte demais. Aqui mesmo na redação. É um bom sinal, a violência ainda choca. Mas a imagem forte, na minha opinião, é o momento em que o criminoso, com as mãos algemadas, envolve seu Alípio num abraço emocionante. É difícil perdoar. No fundo, são duas vítimas. São duas pessoas que sofreram a dor da perda e do arrependimento. Pessoas que tiveram a coragem de se despir do todo o ódio. Perdoando ou não.

Tim Lopes
Produtor e repórter do quadro "Hora da Verdade"

Um presente em forma de poesia à sua mãe

O amor de Tim Lopes por sua mãe, Maria do Carmo, era explícito em todas suas falas, confira uma das poesias que o jornalista fez em homenagem à sua mãe:

MÃE
Sinceramente não sei quantos anos você faz
Não interessa essa cronologia
Não interessa este número de vida
Continuo vendo você como da primeira vez

Acho que foi quando ainda estava dentro de você
Continuo vendo você pura e simples
Como os traços da palma da minha mão
Tenho 21 anos de vida

Tenho amor de vida
Tenho vida vivida
Tenho você na vida
Sou um pedaço de amor

Sou um pedaço de carne
Sou um pedaço de coração
Sou um pedaço de alegria
Sou um pedaço de tristeza
Sou um pedaço de você


Eu queria dizer mais coisa
Eu queria escrever tanta coisa
Mas eu acho que a tinta vai acabar
Ou será que exatamente não estou conseguindo dizer nada?

Dizer eu não vou dizer
Eu vou escrever
Nem que a tinta acabe
Eu sei escrever com os dedos, com o coração

Vou continuar te amando
Vou continuar te armando
Surpresas e atentados de amor filial.

Tim

Morte de Tim Lopes mnibiliza todo o Brasil

Morte de Tim Lopes denuncia o poder dos traficantes

De bermuda, com uma velha camisa amarela e sandálias, como um típico carioca do morro, o jornalista Tim Lopes, 51 anos, saiu da sede da TV Globo no dia 2 de junho de 2002 para fazer a sua última grande reportagem investigativa. Levava uma microcâmera escondida dentro da pochete presa à cintura para filmar um baile funk na favela da Vila Cruzeiro, uma das 12 favelas integrantes do morro conhecido como Complexo do Alemão, no bairro da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Ele havia recebido uma denúncia dos moradores da favela de que nos bailes patrocinados por traficantes acontecia a exploração sexual de jovens e o consumo de drogas. Os moradores pediam ajuda.

Aquela seria a quarta vez que Lopes subiria à favela para realizar esta reportagem. Nas duas primeiras, fez o reconhecimento de área. Na terceira, levou a microcâmera, mas as imagens não foram consideradas boas o suficiente para sustentar a denúncia - ele não tinha imagens do baile. Por isso, voltou ao local. A combinação era que o motorista, contratado pela TV Globo especialmente para o serviço, o pegasse no morro às 20h. No horário previsto, entretanto, Lopes avisou que precisaria de mais tempo para completar o trabalho. Pediu que o buscasse novamente às 22h. O motorista voltou como foi combinado, mas o jornalista não apareceu.

Marcelo Moreira, 32 anos, chefe de reportagem da TV Globo no Rio de Janeiro, conta que, quando o motorista ligou para a redação avisando que o jornalista não havia aparecido, foi recomendado que ele esperasse por Lopes até a meia-noite. “A questão do horário é rígida, mas ele foi num baile funk, não tinha horário para acabar, e fomos levados a crer que o baile tinha se estendido por causa do jogo do Brasil (durante a Copa Mundial de Futebol)”, explica Ali Kamel, 40 anos, diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo.

Moreira chegou mais cedo na redação, por volta das 4h, devido ao jogo, que começaria às 6h. “Quando desconfiamos que algo de errado havia acontecido, ligamos para todo mundo”, disse Moreira.

O que se seguiu foi o início da busca de Lopes que culminou, uma semana depois, com o anúncio de sua morte e a troca de farpas entre autoridades locais e nacionais na tentativa de encontrar os culpados e pela ineficiência do poder público diante do poder estabelecido pelos traficantes de drogas.

A morte de Lopes foi confirmada depois da prisão de Fernando Sátiro da Silva, o Frei, e Reinaldo Amaral de Jesus, o Cabê, dois integrantes da quadrilha do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, um dos líderes do grupo criminoso Comando Vermelho, que detém o poder no Complexo do Alemão. Os depoimentos dos presos indicam que o jornalista pode ter sido identificado pelos traficantes como sendo como o autor da reportagem “Feira de Drogas” veiculada pela TV Globo em agosto de 2001. Na reportagem, Lopes filmou, com uma microcâmera escondida, a venda de drogas nas ruas do morro do Alemão. Depois que sua reportagem foi ar, foram presos traficantes e o negócio foi interrompido por um tempo, causando prejuízos aos narcotraficantes.

Segundo os depoimentos colhidos pela polícia, os traficantes teriam levado o jornalista da favela Vila Cruzeiro para a favela da Grota, onde estava Elias Maluco. Ali teriam feito um “julgamento” para decidir se o matariam. Ele foi barbaramente espancado e torturado. Seu corpo foi esquartejado e queimado em pneus numa gruta, método conhecido como “microondas” e muito usado por traficantes para matar policiais ou informantes e eliminar rastros que podem servir de provas contra seus assassinos.

A prisão de Elias Maluco, que passou a ser chamado de “bandido mais perigoso do Rio de Janeiro”, e dos demais assassinos do jornalista foi definida como uma “questão de honra” por representantes do governo do Rio do Janeiro. Durante uma semana, a polícia realizou incursões diárias no morro, em busca do corpo do jornalista e dos culpados, ou de testemunhas que possam levar aos assassinos. Até o dia 17 de junho de 2002, foram identificados nove integrantes da quadrilha de Elias Maluco que teriam participado do assassinato de Lopes. Dois estão presos.

Ângelo Ferreira da Silva, preso em 13 de junho, confessou que estava no carro Palio que teria transportado Lopes da Vila Cruzeiro para a favela da Grota, onde estava Elias Maluco. Segundo Silva, Lopes estava amarrado e ferido à bala na perna quando foi colocado no carro. Ele relatou as cenas de tortura pelas quais passou o jornalista, mas disse que não estava presente quando Lopes morreu. Revelou também os nomes de outros dois envolvidos no assassinato.

Elizeu Felício de Souza, o Zeu, preso em 14 de junho e apontado como um dos seguranças de Elias Maluco que teria assistido à execução de Lopes, confessou que comprou gasolina e diesel em um posto de gasolina perto da entrada da favela Nova Brasília, que integra o Complexo do Alemão. Zeu disse ter entendido que um inimigo da quadrilha teria o corpo queimado, mas não confirmou se era o de Lopes.

A busca continua

A Rede Globo, através de suas retransmissoras em todo o país, do canal a cabo, do jornal e da rádio pertencentes ao grupo, iniciou uma campanha para encontrar os “Inimigos do Rio” - como passaram a ser identificados os acusados da morte de Lopes.

Os meios de comunicação têm ajudado a divulgar o telefone do Disque-Denúncia, um sistema de denúncia anônimo patrocinado pelo governo do Estado e o Movimento Rio de Combate ao Crime, que dividem o custo de uma recompensa de R$ 50 mil para quem der informações sobre o paradeiro de Elias Maluco. Cartazes com o número do Disque-Denúncia - (21) 22531177 - estão colados nos vidros traseiros dos ônibus que circulam pela cidade. A polícia não descarta a hipótese de que Elias Maluco esteja foragido em outra favela ou mesmo em outro Estado.

Segurança do repórter

A morte de Lopes revelou várias irregularidades. Jornalistas e policiais têm várias críticas mútuas. Uma delas é quanto ao tempo que a TV Globo demorou para comunicar a polícia sobre o desaparecimento do jornalista. A polícia reclama que só foi avisada do desaparecimento do jornalista por volta das 8h da manhã seguinte. “Mandamos uma pessoa fazer queixa na delegacia, e ela só chegou às 8h. Mas, antes disso, já havíamos ligado para o posto da Polícia Militar na favela”, conta o chefe de reportagem da TV Globo, Marcelo Moreira. “Entretanto, a primeira incursão da polícia na favela só ocorreu às 13h do dia 3, segunda-feira”.

Outros criticam a falta de segurança para resgatar o repórter, em caso de emergência durante a reportagem. “Tim não era de correr riscos, se tivesse sido ameaçado, tenho certeza de que não voltaria ao local”, diz Moreira.

Ali Kamel, diretor-executivo de Jornalismo, lembra que o evento que Lopes estava filmando era público, e o jornalista não se fez passar por bandido ou morador - não requeria, portanto, o mesmo esquema de segurança de quem vai se infiltrar num prédio ou num local fechado. Uma testemunha disse à TV Globo que viu Lopes ser levado para fora do baile e espancado. Kamel ressalta que o jornalista não estava infiltrado, estava disfarçado de cidadão carioca. “Ali, qualquer um seria morto se estivesse com um bloco de notas e o recado é que os traficantes não querem mais a imprensa no morro porque prejudica os negócios”, acredita.

A forma como o jornalista morreu, ao entrar na área de favela sem nenhuma proteção, gerou uma nota da comissão do Sindicato dos Jornalistas encarregada de acompanhar as investigações. “Nos últimos dias, muitos de nós ouvimos nas ruas, e até mesmo de fontes, comentários de que Lopes teria sido irresponsável por estar numa favela dominada pelo tráfico nas condições em que estava. Ou mesmo que teria sido levado a isso por seus chefes”, diz o texto. E acrescenta: “A essas pessoas, que talvez desconheçam a rotina do nosso trabalho, lembramos que a realidade do tráfico de drogas nos morros só é conhecida de todos, e muitas vezes inclusive da polícia, porque jornalistas vão lá para contar”.

A TV Globo formou uma comissão interna para reavaliar suas coberturas diante da violência no Rio de Janeiro e as medidas de segurança. Outras empresas também começam a se proteger. A partir do assassinato de Lopes, alguns repórteres estão subindo os morros do Rio de Janeiro com coletes à prova de balas. Até o uso de carros blindados está sendo estudado. Em artigos de jornais e programas de televisão, profissionais da imprensa questionam o uso da microcâmera e a ética nas investigações.

O fato também gerou seminários organizados pelo Sindicato dos Jornalistas e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) sobre condições de segurança para os jornalistas.

Alexandre Medeiros, jornalista de 41 anos com 20 de trabalho, era amigo de Lopes. Estava escrevendo com ele um livro sobre o samba e a Mangueira, e interrompeu sua participação no projeto Casa das Artes da Mangueira porque se sente ameaçado. “Antigamente, identificar-se como jornalista era garantia de um tratamento diferenciado. Hoje, é como estar na mira de um tiro”, disse. Depois da morte de Lopes, Medeiros apareceu mais de uma vez na televisão pedindo providências da polícia para prender os culpados.

Ineficiência do sistema

O traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, principal acusado da morte de Lopes, já havia sido preso, condenado e julgado em 1996. É considerado o mais cruel dos traficantes e o principal líder do grupo Comando Vermelho em liberdade. Sua ficha registra que, em 1993, ele humilhou e executou quatro policiais do 9º Batalhão da Polícia Militar. Como vingança, os policiais invadiram a favela Vigário Geral e mataram 21 pessoas. Também é acusado da invasão dos morros dos Macacos e do Pau da Bandeira, quando seis pessoas morreram, três ficaram feridas e os moradores foram expulsos de suas casas.

É creditado a ele ainda um audacioso plano de libertação de outro traficante, Adair Marlon Duarte, destruindo uma das paredes da prisão com uma carreta, e o seqüestro do estudante Eduardo Eugênio Gouveia Vieira Filho.

Apesar de tudo isso, Elias Maluco foi colocado em liberdade condicional em 2000, através de um habeas corpus. Segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Marcus Faver, o juiz teria concedido o habeas corpus por excesso de prazo, para evitar a acusação de constrangimento ilegal.

O papel da polícia no morro

O chefe da Delegacia de Homicídios, Paulo Passos, e o delegado Carlos Henrique Machado, que participou das incursões pelo Complexo do Alemão em busca do corpo do jornalista e de seus assassinos, afirmaram desconhecer a existência de um cemitério clandestino no alto da favela da Grota, onde encontraram restos de corpos, partes da microcâmera com uma identificação da Rede Globo, um relógio, uma corrente com um crucifixo, um facão e uma camisa. Funcionários da TV Globo confirmaram que a placa de identificação pertencia à microcâmera usada por Lopes, e que também eram dele o relógio e a corrente.

No Complexo do Alemão, composto por 12 favelas, há quatro unidades da Polícia Militar. São os chamados Postos de Policiamento Comunitário ou Destacamentos de Policiamento Ostensivo. Um deles é no alto da favela Vila Cruzeiro, onde ocorrem os bailes funk que Lopes foi investigar.

Cada favela é uma espécie de cidade. A geografia do morro, com suas ruas tortuosas, é um bom esconderijo para os criminosos. Mas a comunidade, em geral, sabe tudo o que acontece ali dentro. Informações que chegaram à polícia pelo Disque-Denúncia descreviam, por exemplo, que foram ouvidos gritos tão altos na noite em que Lopes morreu, que os moradores tiveram de fechar suas janelas para não escutá-los. Há relatos de moradores sobre “desfiles” que ocorrem por toda a favela, sob pancadas e tortura, dos “traidores” ou “bandidos” condenados pela lei do tráfico, antes de matá-los. Há notícias de que um policial foi barbaramente torturado quando foi pego infiltrado num morro.

Mesmo que o posto de policiamento esteja a uma distância grande do local onde ocorreu o baile funk, a polícia não sabia da exploração sexual de jovens e consumo de drogas no local? No cemitério clandestino da Grota foram encontradas pelo menos cinco arcadas dentárias que não conferiam com as de Lopes, além de fragmentos de ossos.

A situação é tão difícil, que em uma entrevista publicada em O Globo, em 23 de junho, o presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar (PM), Vanderlei Ribeiro, afirmou que existe uma determinação do comando-geral que proíbe os policiais de entrarem em 15 favelas do Rio de Janeiro, a não ser que tenham o apoio das forças de elite, como o Batalhão de Operações Especiais (Bope), da PM, e a Coordenação de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil.

O subsecretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Ronaldo Rangel, disse que a SIP que a polícia que fica nas unidades situadas nos morros só atua ostensivamente, ou quando há uma denúncia. Afirmou ainda que não havia indícios de que a polícia sabia do “microondas” ou do cemitério clandestino, de onde os peritos do Instituto Médico Legal conseguiram reconstituir, com os ossos encontrados, sete esqueletos que serão submetidos a exames de DNA.

A condição nas favelas levou o secretário da Segurança, Roberto Aguiar, a anunciar, em 17 de junho, que será feita a ocupação social (com postos de saúde e outros serviços) no Complexo do Alemão, começando pela Vila Cruzeiro. Disse que a favela da Grota, onde o jornalista foi assassinado, será reurbanizada, para que o local não volte a servir de cemitério clandestino para o tráfico. Aguiar se comprometeu ainda a implantar radares de solo e serviços de geólogos e arqueólogos para continuar com a busca por corpos no cemitério da Grota. Um mês depois do desaparecimento de Lopes, entretanto, o corpo do jornalista não foi encontrado, os assassinos não foram presos, e as providências de Aguiar ainda não foram implementadas.

Corrupção e impunidade favorecem a criminalidade

O assassinato de Lopes mobilizou a polícia, os políticos e os meios de comunicação graças ao poder de penetração da Rede Globo. Mas nem sempre uma morte violenta como a dele tem tanto respaldo. Outros jornalistas brasileiros assassinados no exercício da profissão não tiveram tanto destaque e muitos dos inquéritos que apuram suas mortes permanecem parados.

No Rio de Janeiro, há duas outras mortes de jornalistas sendo investigadas. O caso de Mário Coelho Filho, do jornal A Verdade, assassinado em agosto de 2001, em Magé, na Baixada Fluminense, segundo o delegado Carlos Henrique Machado, da delegacia de Homicídios, está em andamento. O titular da delegacia, Paulo Passos, admite, no entanto, que o inquérito sobre o assassinato de Reinaldo Coutinho da Silva, do Cachoeiras Jornal, em agosto de 1995, em Cachoeiras de Macacu, não tem como ir adiante, porque não há novas testemunhas e o fato ocorreu há muito tempo.

A advogada Cristina Leonardo, coordenadora da organização não-governamental Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, no Rio de Janeiro, lembra que a morte de Lopes se difere dos demais casos que permanecem impunes por uma questão básica: “Normalmente, a delegacia e a Justiça, para dificultar as investigações quando a pessoa está morta e os assassinos sumiram com o corpo, dizem que, se não tem corpo, não tem crime”. No dia 9 de junho de 2002, uma semana depois do desaparecimento do jornalista, o chefe de polícia, Zaqueu Teixeira, anunciou oficialmente que Lopes estava morto, ainda que não tivesse sido encontrado seu corpo. Os policiais se basearam em indícios presentes nos depoimentos de presos que negaram a participação no crime, mas descreveram como ele teria ocorrido. “Muitas vezes, um homicídio não precisa ser confirmado com a descoberta do corpo”, justificou o delegado Carlos Henrique Machado, da Delegacia de Homicídios.

Somente no dia 11, por uma denúncia anônima, a polícia descobriu num cemitério clandestino na Favela da Grota os restos da microcâmera da TV Globo e fragmentos de ossos que foram encaminhados para exame de DNA. Os peritos da Universidade Federal do Rio de Janeiro confirmaram o 5 de julho que o exame de DNA comprovou serem do Lopes os restos mortais encontrados. O jornalista foi enterrado o 7 de julho no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. Além de amigos e parentes, a governadora Benedita da Silva e o chefe de Polícia Civil, delegado Zaqueu Teixeira, acompanharam a cerimônia.

O Rio de Janeiro é pródigo em assassinatos impunes. Em 1993, ocorreu a chacina da favela de Vigário Geral. Era uma vingança pela morte de policiais comandada pelo traficante Elias Maluco. Leonardo é advogada dos familiares dos mortos na chacina e diz que há dois anos não há julgamento dos culpados, porque a defesa bloqueia a Justiça, mudando de advogados - e a cada mudança, o novo advogado diz que precisa de mais tempo porque não conhece o caso -, pedindo novas diligências, convocando policiais que não vão depôr e, principalmente, ameaçando testemunhas.

A pressão para apurar a morte de Lopes provocou críticas da polícia. “Há 15 dias morreu um policial civil às sete da noite, tinha 33 anos e também estava trabalhando. A Rede Globo deu uma nota pequena. Estão colocando Tim Lopes como deus, mas há outros crimes. Nós, policiais, também somos vítimas e não gostamos disso - há muita colaboração das organizações não-governamentais, mas quando um policial é morto nestas circunstâncias, não vejo ninguém no enterro, nem dando apoio à família”, comentou o delegado Carlos Henrique Machado.

Estado Paralelo

O fato de Lopes ter sido preso e “julgado” por traficantes por ter invadido a área deles sem permissão, e a descoberta de um cemitério clandestino no morro do Complexo do Alemão levaram as autoridades federais a declarar que existe um Estado paralelo nas favelas do Rio de Janeiro, sob o comando dos narcotraficantes. As declarações geraram uma troca de acusações entre representantes dos governos estadual e federal sobre de quem é a responsabilidade pelo Rio de Janeiro ter chegado a essa situação.
O chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Zaqueu Teixeira, contestou: “Não há Estado paralelo, o que existem são zonas conflagradas e amarras legais que impedem a polícia de agir: para prender alguém, é preciso ter um mandado de busca, que demora a ser expedido”. O subsecretário de Segurança Pública, Ronaldo Rangel, lembrou que as armas e as drogas dos narcotraficantes vêm de outros países, e quem controla as fronteiras é o Governo Federal.

O juiz aposentado Walter Maierovitch, que preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais e dá cursos de especialização sobre crime organizado e drogas, analisa a situação do Rio de Janeiro de uma forma mais ampla: “Não estamos falando de quadrilhas e bandos, são associações de delinqüentes especiais que atentam contra o estado de direito e contra os direitos e as garantias individuais, o que representa uma autêntica situação de segurança nacional - portanto, de competência do Governo Federal”. Maierovitch compara essas associações às máfias, porque têm controle territorial e social.

Uma opinião que chama a atenção é a do deputado estadual atualmente sem partido, Hélio Luz, que comandou a Polícia Civil no Rio de Janeiro de 1995 a 1997 e ousou enfrentar o poder dos narcotraficantes. Segundo Luz, o Complexo do Alemão existe porque o Estado brasileiro necessita dele para se manter no poder, e para manter a população de excluídos nos morros. Luz critica inclusive o papel da igreja e de algumas instituições do Terceiro Setor que, a seu ver, atuam nas favelas ajudando a acalmar a situação, sem questionar a má distribuição de renda que é a verdadeira causa da miséria das favelas. De uma forma geral, para o cidadão comum, a criminalidade sempre existiu. A diferença é que agora está chegando à classe média.

Na visão de Luz, Lopes foi morto por responsabilidade de um Estado violento e corrupto, que não tem controle de suas instituições internas e dos seus poderes, e cujo dever de casa deveria ser, primeiro, manter o controle de sua polícia para baixar os índices de criminalidade.

A morte de Lopes também serviu de pretexto para o presidente do Tribunal de Justiça, Marcus Faver, criticar a burocracia que impede o exercício da Justiça e propicia que traficantes como Elias Maluco sejam soltos. “No Brasil, os direitos e as garantias são levados a extremos tais, que criam barreiras”, reclama o desembargador. “Por que o criminoso tem que estar presente nas audiências, não poderia estar somente seu advogado?”. Faver lembra ainda que há juízes que acumulam duas Varas Criminais e há Varas sem juízes. A solução, a seu ver, passa por uma reforma no processo penal e na gestão administrativa.

Em 11 de junho de 2002, o Senado Federal aprovou algumas mudanças no Código de Processo Penal com o objetivo de evitar casos como o de Elias Maluco. As mudanças ainda dependem da aprovação da Câmara dos Deputados. Incluem, por exemplo, a obrigação de um juiz justificar sua decisão para conceder o habeas corpus anulando a decretação de uma prisão preventiva. E prevêem a possibilidade de o juiz interrogar réus à distância, através de circuitos de televisão, para evitar constrangimentos de testemunhas.

A impunidade, no Brasil, algumas vezes está relacionada ao poder eleitoral, lembra Tânia Maria Salles Moreira, 50 anos, procuradora de Justiça da 7º Câmara Criminal do Rio de Janeiro. Durante 12 anos, ela atuou como promotora numa das regiões mais violentas do Rio, a Baixada Fluminense. No Rio de Janeiro, quando os candidatos querem entrar nas favelas, pedem permissão aos traficantes, que são os maiores empregadores nos morros, e por isso têm poder de mando. “A maioria dos votos vêm de comunidades sob a ordem desses senhores”, salienta a procuradora.

No Rio de Janeiro, ser jornalista é profissão de risco

“A morte de Tim foi um atentado eficaz. Hoje, pode-se imaginar que todas as redações estejam com medo e vai dar trabalho elaborar uma estratégia de cobertura que enfrente o medo e não nos cale. Somos jornalistas, queremos a verdade”, diz Kamel, da TV Globo.

O jornalista Marcelo Beraba, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro e presidente do Comitê de Liberdade de Expressão da Associação Nacional de Jornais (ANJ), propõe que a imprensa carioca se una para dar continuidade ao trabalho iniciado por Lopes. “Temos que ir até o fim na morte do Tim e no que ele estava investigando”, afirma.

Num Estado em que a população de classe média e alta vive cercada por favelas, e em que os enfrentamentos entre polícia e bandidos são diários, é impossível ignorar que o Brasil vive uma guerra civil. Identificar quem são os traficantes de drogas e armas, os corruptos e os corruptores, em qualquer lugar do mundo, é sinônimo de perigo. No Rio de Janeiro, quem já esteve sob a mira dos traficantes fica marcado para sempre. “Ninguém pode falhar nesse momento, isso custa a vida”, lembra Aldir Ribeiro, 49 anos. Hoje ele dirige um programa na Televisão Educativa do Rio de Janeiro. Mas, quando era repórter do Documento Especial da Televisão Manchete, fazia matérias investigativas e recebeu várias ameaças. “Todo dia eu pensava em parar. Você passa a não ter mais paz, acha que todo mundo está te olhando”.

João Antônio Barros, 39 anos, de O Dia, teve sua cabeça a prêmio depois que passou um tempo vivendo dentro da cadeia Bangu 3, sem se identificar como jornalista. Fez uma reportagem sobre corrupção no sistema penitenciário e soube depois que alguém propôs pagar R$ 50 mil para que ele fosse morto. “Medo a gente tem todo dia, mas, se não fizer as matérias, deixa de trabalhar”, reconhece. “Não consigo imaginar jornalismo sem denúncia”. Barros constata, porém, que os jornalistas mais jovens não sobem os morros do Rio de Janeiro como os mais experientes faziam no início da carreira.

O assassinato de Lopes deve servir como exemplo, diz Marcelo Leite, de O Dia. “Temos que ir atrás dos “Elias Maluco” não só do tráfico, mas do Judiciário, da Polícia e da Política”, encara. Leite conta que havia recebido a mesma denúncia dos moradores da favela da Vila Cruzeiro que estava sendo investigada por Lopes, uns 15 dias antes de saber do desaparecimento do colega.

“O assassinato de Tim Lopes foi uma morte anunciada”, acredita a jornalista Cristina Guimarães, 38 anos, que vive atualmente escondida. Em outubro de 2001, Cristina pediu seu desligamento da TV Globo, alegando que a empresa não lhe ofereceu proteção quando foi ameaçada de morte. Ela era co-autora da reportagem “Feira das Drogas”, feita junto com Lopes e outros dois jornalistas, e veiculada no Jornal Nacional de agosto de 2001. A repórter entrou nas favelas Rocinha e Mangueira, no Rio de Janeiro, com uma microcâmera escondida na bolsa para mostrar o tráfico de drogas. Por causa da reportagem, traficantes da Rocinha foram presos.

Cristina foi informada que pessoas estavam rondando seu local de trabalho e que uma delas disse que os traficantes estavam oferecendo R$ 20 mil por sua cabeça. Cerca de dez dias depois, ao ler os jornais, soube que um funcionário do departamento de Esportes da TV Globo havia sido seqüestrado por traficantes da Rocinha, e que estes queriam saber quem era o autor da reportagem “Feira das Drogas”. O fato foi registrado pela 15ª DP.

Também passou a receber telefonemas anônimos. Angustiada, com medo, resolveu se afastar do trabalho. Entrou com uma ação contra a empresa, desligou-se do trabalho em novembro de 2001, e procurou a Anistia Internacional para ajudá-la a sair do país.

Sua advogada, Cristina Leonardo, pediu em junho de 2002 ao Secretário de Segurança Pública e ao superintendente da Polícia Federal para que o caso de Cristina Guimarães seja investigado. A advogada teme pela vida da jornalista e que a morte de Lopes esteja associada às ameaças recebidas por sua cliente.

Uma ex-funcionária que fazia o programa Linha Direta também vive escondida e com medo. O programa mostra crimes que continuam impunes, os reconstitui, dá nome aos suspeitos de terem cometido os crimes e pede ajuda da população para encontrá-los. A produtora, que pediu para não se identificar, disse que usava câmera escondida e que foi pressionada mais de uma vez para fazer matérias arriscadas.

“Desde que entrei no Linha Direta, eu recebia ameaças e brincava com as pessoas, dizendo que tinham que entrar na fila para me matar. Nunca dei bola. No único momento em que tive medo, não consegui mais ser como os diretores da TV queriam que eu fosse”, relata. A gota d’água aconteceu quando começou a apurar a atuação de traficantes e de um grupo de extermínio da Baixada Fluminense. A própria promotora que investigava o caso alertou a jornalista que ela se cuidasse, porque já tinha sido ameaçada e que, com a reportagem, poderia correr risco de vida.

Um dia, ao retornar para a sede da televisão, a jornalista percebeu um carro, com pessoas armadas, na frente. Pediu proteção, mas o diretor de programação disse que não havia motivo para tanto, que isso poderia alarmar outros repórteres.

Questionado sobre casos como o desta produtora, César Seabra, editor regional da TV Globo no Rio de Janeiro, garantiu: “Quando necessário, a empresa dá segurança”. Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, lembra que vários jornalistas da TV Globo foram enviados para outros Estados ou para fora do país por estarem em situações de risco. Em alguns casos, são contratados seguranças particulares para acompanhar o profissional ameaçado. No caso de Cristina Guimarães, ele foi enfático: "Se tivéssemos conhecimento, teríamos tomado providências". Diante da ação judicial de Guimarães, o juiz aceitou a sua saída da Globo, mas não acolheu o pedido de proteção.

Um exemplo de dignidade no Jornalismo

Tim Lopes era uma unanimidade entre os colegas. No dia em que foram encontrados os fragmentos de ossos, uma corrente (mais tarde identificada como sendo do jornalista) e pedaços da microcâmera com a plaqueta da Rede Globo, os fotógrafos e repórteres que estavam no local deram as mãos em torno da cova e rezaram, em prantos. Mais de um ato público foi organizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e pela Associação Brasileira de Imprensa, no centro do Rio de Janeiro, exigindo das autoridades providências para encontrar o corpo de Lopes e os culpados de sua morte. Os colegas da TV Globo encerraram uma edição do principal noticiário da emissora, o Jornal Nacional, vestidos de preto, numa salva de palmas, em homenagem a ele.

Tantas manifestações se devem ao fato de que Lopes, conhecido por seu jeito humilde e brincalhão, era admirado por suas reportagens brilhantes e pela coragem de trazer para o asfalto a realidade das favelas que ele, criado no morro da Mangueira, filho de uma família pobre, conhecia como ninguém. “O Tim era o que se tem de mais nobre na profissão, sempre na busca por justiça, por ajudar as pessoas que precisam, pelo furo, pelo diferente”, recorda César Seabra, 41 anos, da editoria regional da TV Globo no Rio de Janeiro.

O fotógrafo Marcos Tristão, que trabalhou com o jornalista em O Dia, brinca que é possível ver vários Tim Lopes passeando nas ruas do Rio de Janeiro, porque ele tinha a cara do carioca. Mulato, nos últimos tempos dono de uma barriga que lhe rendeu o apelido de “Véio Zuza”, Lopes portava um sorriso amplo e o jeito de quem podia se travestir do que quisesse. Foi assim que se passou por mendigo para se aproximar dos meninos de rua e retratar sua realidade numa reportagem no Jornal do Brasil. Noutra matéria, virou operário de estrada, e em outra, era um sem-teto relatando suas experiências para O Dia.

“Sempre procurei investigar, no fundo, no fundo, a alma das pessoas”, disse uma vez. Por isso, não registrava apenas as mazelas do povo. Descobriu talentos que colocou na televisão, e incentivou, por meio de suas reportagens, projetos sociais como o dos pré-vestibulares comunitários para afro-descententes, na região da Baixada Fluminense. Ponderado, quando se tratava de discutir uma questão delicada, começava a frase do mesmo jeito: “O bom senso diz que...”

Numa das primeiras reportagens que fez na TV Globo vestiu-se de Papai Noel e mostrou os sonhos da população. Internou-se numa clínica de recuperação para dependentes químicos e mostrou os dramas vividas pelos doentes. Para os telespectadores da maior rede de televisão do país, no entanto, o nome de Lopes era pouco conhecido porque ele se dedicava mais a fazer o trabalho de produção jornalística: por trás da câmera, sem mostrar o rosto, conseguia mostrar o que todo mundo desconfiava ou sabia, mas que ninguém tinha coragem de denunciar. Graças a essa audácia, foi premiado, junto com a equipe, pela reportagem “Feira de Drogas”, quando gravou com uma microcâmera o livre comércio de drogas no Complexo do Alemão, numa favela próxima à Vila Cruzeiro, local onde foi morto.

Numa conversa com estudantes de Jornalismo disse uma vez que, em busca da notícia, na hora em que estava apurando os fatos conseguia se manter numa frieza absoluta, depois é que ficava assustado. Na sua última reportagem investigativa, porém, seu instinto lhe dizia que, desta vez, os riscos eram muito grandes. Na semana antes de desaparecer, ele chegou a comentar com a mulher, Alessandra Wagner, que a “barra” na Vila Cruzeiro era mais perigosa do que na “Feira de Drogas” e que iria se expôr muito. Começava a pensar em não fazer mais esse tipo de reportagem. Já havia acertado que, depois de encerrar este trabalho, iria acompanhar um caminhoneiro em sua viagem, numa matéria de comportamento para o programa Globo Repórter.

Gaúcho de nascimento, mas criado no morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, Lopes mantinha o gosto pelo samba e carnaval, e desfilava no bloco “Simpatia é quase amor”. Lia muito. “Ele sempre falava em escrever um romance baseado nas experiências que teve como jornalista”, lembra o advogado André de Souza Martins, concunhado de Lopes. Desde 1999, estava escrevendo, com o amigo e jornalista Alexandre Medeiros, o livro “Eu sou o samba”, com perfis de personagens do samba carioca desconhecidos da maioria da população.

O funk na visão de Tim Lopes

Em 1994, Lopes escreveu uma série de reportagens para o jornal O Dia, do Rio de Janeiro, sobre os bailes funk. A série ganhou um prêmio como melhor reportagem publicada no jornal naquele ano. No mesmo período, Lopes passou a escrever uma coluna semanal, às sextas-feiras, no caderno de Cultura, com a programação e destaques de personagens do universo funk. Desde então, os bailes mudaram, assim como o perfil dos traficantes nos morros cariocas. Este ano, a denúncia não se centraria nos bailes, mas no forte armamento dos jovens que o freqüentam, no consumo de drogas e na exploração sexual de menores de idade. Ironicamente, oito anos depois das primeiras reportagens, o jornalista voltou a um baile funk e deparou com a própria morte.

Em 27 de fevereiro de 1994, ele denunciava outro tipo de violência associada aos bailes:

“Aqui, embaixo da linha do Equador, nos becos do Complexo do Alemão, o pancadão funk tem outras assinaturas, mas também está associado ao prazer, ao desabafo e à violência. Mas funk não é só música. É um modo de viver. (...) São os donos da rua, do bairro, da cidade, dos seus narizes. Estão sempre prontos a mostrar que podem vencer qualquer embate, encarar qualquer parada. Assim explodem as brigas, os confrontos entre galeras. Nos últimos três anos, mais de 50 jovens morreram nos combates entre funkeiros, centenas saíram feridos. O mundo funk guarda espaço para paus, pedras e armas de fogo, abriga tribos nômades que espalham alegria e terror. É um ritual de vida e morte.”