domingo, 20 de junho de 2010

A Semente que Tim Lopes plantou

O termo jornalismo investigativo causa um certo incômodo. Aprendemos que todo jornalismo tem de ser investigativo, ou seja, bem-apurado e crítico.

Mas a combinação, consagrada nos Estados Unidos e em vários países de língua espanhola e que começa a ser adotada nas escolas de Comunicação brasileiras, ajuda a distinguir as reportagens de mais fôlego, que exigem maiores investimentos na apuração, do noticiário rotineiro, que também requer apuro técnico, mas que é mais simples.

A investigação bem-feita pede, quase sempre, tempo e paciência para pesquisas, entrevistas em on e em off com fontes diversificadas e com especialistas, observação direta, checagem e rechecagem. E exige, sobretudo, uma busca obsessiva de documentação e provas.

Embora possa e deva ser aplicada em todos os assuntos que interessam aos leitores, a reportagem investigativa vem mostrando maior força, utilidade e repercussão quando se dedica à fiscalização do uso dos recursos públicos e questiona a eficácia das políticas de governo.

Nós temos praticado este jornalismo? Acho que sim, mas não na freqüência que nossas mazelas exigem e nem com a qualidade que a sociedade e nós mesmos nos cobramos.

Uma análise do jornalismo que produzimos a partir do início dos anos 80, quando se inicia a transição para a democracia, vai nos mostrar que hoje apuramos melhor, somos mais precisos, e que ampliamos nosso campo de fiscalização, estendendo a cobertura crítica a áreas antes reservadas apenas ao entretenimento, como o futebol e a cultura.

Mas ainda continuamos reféns dos relatórios malfeitos e de informações manipuladas produzidos nas repartições policiais, nos ministérios públicos e nos gabinetes políticos.

Os jornais têm dificuldades para manter os investimentos em equipes experientes e que precisam de tempo e recursos para produzir trabalhos de qualidade e diferenciados. Ao contrário dos Estados Unidos, não conseguimos ainda criar uma produção independente que atenda tanto ao mercado tradicional (a grande imprensa, emissoras de TV e editoras de revistas) como ajude a criar um mercado novo e alternativo (com a publicação de livros e na internet, por exemplo).

Há um outro problema sério no Brasil: a dificuldade de acesso a informações públicas. Os dados são guardados pelas autoridades como se fossem de uso privado e são distorcidos com muita facilidade. Embora a Constituição de 1988 garanta o direito de acesso, ainda predomina em todas as instâncias de poderes da República o conceito autoritário do uso reservado das informações públicas.

Rede congrega mais de 200

A formação de uma associação de jornalistas investigativos nasce da constatação destes problemas. Mas nasce, principalmente, da constatação das nossas carências profissionais.

Temos de melhorar a qualidade do nosso trabalho jornalístico, independentemente de todos os obstáculos políticos, culturais, econômicos e empresariais que são colocados diante de nós.

Por isso, imaginamos uma entidade formada e mantida por jornalistas que fazem, querem fazer ou apóiam o jornalismo sério, documentado, revelador. Um entidade voltada para a troca de informações e experiências, com ênfase grande no trabalho de formação e reciclagem profissional. Que ajude a difundir e a utilizar os recursos e ferramentas que as novas tecnologias acrescentaram. Que contribua para o nosso crescimento profissional e intelectual. E que ajude a integrar jornalistas que hoje trabalham solitários e ameaçados longe das capitais ou fora da grande imprensa.

Esta entidade está lançada, depois de dois seminários organizados no Rio (31/8) e em São Paulo (7/12) pelo Knight Center for Journalism in the Americas com a ajuda do Sindicato dos Jornalistas do Rio e da Escola de Comunicação e Artes da USP, e é fácil de ser contatada em .

Ela nasce da troca de idéias de uma rede que começou com 45 jornalistas e já congrega mais de 200. Nasce com o apoio dos departamentos de jornalismo de várias universidades, como USP, UFSC e UFBA. E nasce da semente que Tim Lopes plantou em cada um de nós que com ele convivemos: o compromisso com um jornalismo sem preconceitos, corajoso, bem-feito e que pode e deve ser aperfeiçoado.

Fonte: Texto de Marcelo Beraba para o Observatório da Imprensa em dezembro de 2002

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